SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Um testemunho histórico e corajoso - Lições para o presente e para o futuro (4)


Com esta transcrição, encerro as transcrições de tomadas de posição de uma comunista soviética corajosa, Tatiana Khabarova, quando Gorbatchov estava ainda no auge do seu poder autocrático. Trata-se de textos absolutamente indispensáveis para se conhecer os acontecimentos, seus antecedentes históricos, suas causas e motivações, no decurso desses anos finais do assassinato metódico, frio e premeditado, do socialismo na União Soviética, pela mão daqueles que se afirmavam comunistas.
Escrito em Nov/1988, sob o título "Porque criticamos Gorbatchov",  é uma crítica frontal e desassombrada às pantominices económicas e políticas gorbatchovianas, uma critica verdadeiramente premonitória do descalabro e posterior derrocada do socialismo na URSS.
Deixo-vos somente dois parágrafos, à guisa de introito, com o link para o site onde está editada, para uma sua tranquila e muito útil  leitura integral, neste fim-de-semana próximo.
(http://www.hist-socialismo.com/docs/Khabarova_Porque_Criticamos_Gorbatchov_1988.pdf)
 
 
"(...) Há coisas que não podem ser em «simultâneo» socialistas e capitalistas, como uma mulher não pode ser ao mesmo tempo virgem e parturiente; não existe nenhuma concorrência «socialista» de investimentos ou um «desemprego» socialista ou uma exploração «socialista» de um trabalhador assalariado por um privado. Lá onde tudo isto existe, simplesmente não há socialismo.
São por isso absolutamente justificadas a irritação e indignação crescentes das pessoas com os chamados «salários» dos actuais cooperativistas; as pessoas sentem nas «entranhas» que não se trata de «salários», mas exactamente de rendimento, com frequência especulativo.
Toda a teoria económica de Marx assenta na simples premissa(perfeitamente captada pelo instinto de classe dos trabalhadores) de que uma pessoa não pode (e não deve) ganhar mais do que o salário, isto é, o custo socialmente estabelecido da reprodução alargada das suas capacidades laborais. Tudo o resto é o sobreproduto, o qual tem sempre uma natureza social, e por isso, num regime social judicioso, é sujeito à socialização: consolidação, distribuição e utilização através de canais sociais.
A partilha do sobreproduto antes de entrar nas «artérias» da sociedade, a criação de condições para essa partilha são relações económicas de apropriação privada, burguesas pela sua natureza, para cujos perigos do seu desenvolvimento «no domínio do comércio, etc.,» V.I. Lénine alertou frontalmente e sem reservas no momento da introdução da NEP."(...)

(...)"Está bem de ver, de resto, que os artífices de todos estes «longos processos» que se arrastam infinitamente, bem como os autores das respectivas «concepções», não viveram um só dia a rotina quotidiana de quem espera por melhores condições, à qual condenaram os seus concidadãos: não, para eles tanto o «comunismo» como o «socialismo amadurecido» surgiram imediatamente e em pleno, e não dentro de 18 ou 20 anos.
A este respeito Mikhail Gorbatchov não é excepção. Em mais de três anos nunca vimos a sua esposa, essa «primeira-dama» do Estado operário-camponês, duas vezes com o mesmo vestido ou fato, nem sequer com o mesmo casaco de peles ou com o mesmo conjunto de joalharia. Percebe-se que com um tal tipo de vida se possa planear facilmente a «perestroika» para um prazo de mais duas décadas no mínimo."(...)
 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Um testemunho histórico e corajoso - Lições para o presente e para o futuro (3)


Para uma análise rigorosa sobre as causas da derrocada do Socialismo na Europa nos finais do século passado, em especial sobre a deriva ideológica que se instalou no PCUS pela mão da sua direcção e que arrastou para posições oportunistas a generalidade dos restantes PC’s – factor que na actualidade continua sendo a principal razão do recuo ideológico generalizado nas fileiras do Movimento Comunista ­– as posições firmes e desassombradas de Tatiana Khabarova são um instrumento precioso.
Aí se transcreve um trecho da sua intervenção numa sessão realizada em 1998, assinalando o 180º aniversário do nascimento de Karl Marx e sob o título “Terá o Marxismo sido derrotado?”
 

(…)”A lei da correspondência das relações de produção ao carácter e nível de desenvolvimento das forças produtivas: esquema-chave explicativo-preditivo do marxismo como ciência
Examinemos o assunto mais de perto: existiu uma tal ciência, existirá ainda hoje, e o que lhe aconteceu nas fases já disputadas e terminadas da guerra psicológica informativa?
Qualquer verdadeira ciência possui um determinado esquema explicativo-preditivo, em torno do qual se desenvolve e graças ao qual alcança os seus triunfos.
Assim, o sistema de Newton distinguiu-se pela descoberta da lei universal da gravidade. Depois toda uma geração de cientistas, entre os quais mentes tão brilhantes como a de Laplace, dedicaram toda a sua vida a mostrar como se explicam e se podem compreender, com base na lei da gravidade, um conjunto crescente de novas esferas de fenómenos.
Será que o marxismo possui um tal esquema?
Possui. É a lei da correspondência das relações de produção ao carácter e nível de desenvolvimento das forças produtivas.
O segredo para uma utilização com êxito desta lei reside na compreensão de que o componente principal das forças produtivas, a fonte e mola do desenvolvimento do modo de produção, não é a técnica nem o progresso científico-técnico, mas sim as próprias pessoas.
As forças produtivas são pessoas, as massas laboriosas, com a técnica e tudo o mais que é necessário à produção. As relações de produção são as relações das pessoas no que respeita, em primeiro lugar, à produção de bens materiais – são a estrutura da sociedade, como Marx as definiu, ou a base económica da sociedade numa dada etapa do seu desenvolvimento. As relações de base são, na sua essência, formas de actividade produtiva das pessoas.
A base, como princípio de formação estrutural, é a parte mais conservadora do modo de produção. A estrutura não se altera a cada minuto; ela é rectificada, ajustada, concretizada, mas no seu conjunto perdura durante bastante tempo. A palavra «base» não deve ser entendida unicamente como alicerce. A base são as paredes e o telhado; na presente etapa de desenvolvimento é como uma espécie de moldura estrutural que delimita os contornos espaciais do crescimento das forças produtivas.
As forças produtivas são a parte móvel, revolucionária, do modo de produção, a fonte do seu autodesenvolvimento. A correspondência da base às forças produtivas significa que a moldura estrutural de um dado nível de desenvolvimento da sociedade é bastante ampla e conveniente; as relações económicas, as formas de propriedade, estimulam a actividade produtiva das pessoas. No estado de «correspondência», a base intervém, segundo a definição de I.V. Stáline, como o principal motor do desenvolvimento das forças produtivas. Também se pode dizer que, no estado de «correspondência», a base se adianta às forças produtivas.
Mas eis que a moldura da base fica repleta e o espaço para as forças produtivas se torna apertado. A actividade produtiva das pessoas decai, e abranda ou mesmo definha o progresso técnico. A base passa do papel de principal motor para o papel de travão das forças produtivas. A correspondência entre elas foi quebrada, as relações de base estão obsoletas. As forças produtivas procuram uma saída. Mas quem, em concreto, procura uma saída, porventura será a técnica? Para a técnica tudo isto é indiferente, quem procura são as pessoas – os representantes da nova classe em formação, que traz consigo um novo tipo histórico de actividade produtiva.
Neste ponto inferior de todo o ciclo – e este é precisamente um processo cíclico – pode-se dizer que as forças produtivas se adiantaram em relação à base, e a base se atrasou em relação ao desenvolvimento das forças produtivas. No entanto, todas estas inter-relações só serão válidas no caso de se ter presente que as forças produtivas são, em primeiro lugar, as pessoas, as pessoas e mais uma vez as pessoas.
Aliás, as próprias relações de produção são também pessoas. E é nas relações de base que radica a superstrutura, isto é, o sistema de domínio político da classe para a qual é chegada a hora de sair da cena histórica. Evidentemente, que a classe historicamente obsoleta não quer sair por vontade própria, ela agarra-se às suas prerrogativas, ao seu poder e opõe-se às mudanças que amadureceram. Na sociedade inflama-se e agudiza-se o conflito de classe ou de base, a contradição de classe antagónica.
O que acontece a seguir?
Lemos I. V. Stáline:
«Até dada altura, o desenvolvimento das forças produtivas e as alterações no domínio das relações de produção decorrem de um modo espontâneo, independente da vontade dos homens. Mas isto acontece só até um determinado momento, até ao momento em que as forças produtivas surgidas e em desenvolvimento atingem o devido grau de amadurecimento. Assim que as forças produtivas amadurecem, as relações de produção existentes e as classes dominantes que as representam transformam-se num obstáculo «inultrapassável», que não pode ser removido do caminho senão mediante a actividade consciente das novas classes, pela acção violenta destas classes, pela via da revolução. É então que se manifesta com especial evidência o enorme papel das novas ideias sociais, das novas instituições políticas e do novo poder político, chamados a suprimir pela força as velhas relações de produção.
Na base do conflito entre as novas forças produtivas e as velhas relações de produção, na base das novas necessidades económicas da sociedade surgem novas ideias sociais. As novas ideias organizam e mobilizam as massas, as massas juntam-se num novo exército político, formam um novo poder revolucionário e utilizam-no para abolir pela força as velhas regras no domínio das relações de produção e estabelecer novas regras

Aqui, antes de mais, é preciso sublinhar bem e cada um de nós deve assimilar solidamente que as novas forças produtivas, amadurecidas para a eclosão da revolução, as forças que propriamente realizam a revolução, não são, mais uma vez, de modo nenhum, nem a técnica nem o progresso científico-técnico em si, mas a classe historicamente ascendente, coesa e organizada na base de novas ideias, que surgiram sob a pressão das novas necessidades económicas da sociedade
Aquilo que teóricos infelizes, como Múkhine e outros da mesma categoria, nos contam a propósito do progresso científico-técnico, que abranda e esse abrandamento, alegadamente, «gera a revolução e destrói o aparelho do Estado» – isso não é marxismo, mas um disparate kautskiano-trotskista, que não tem qualquer relação com o marxismo leninismo-stalinismo revolucionário.
É precisamente por aqui que passa a linha de demarcação conceptual entre o marxismo como tal e o kautskianismo (que mais tarde se torna trotskismo), entre as correntes revolucionária e a oportunista, social-conciliadora, no movimento operário e comunista do último meio século. Eis essa linha separadora de águas: deveremos considerar como a principal e mais dinâmica força produtiva, como a fonte primária do desenvolvimento da sociedade, a técnica ou as pessoas, vistas num determinado contexto como a classe revolucionária mais avançada historicamente? O marxismo afirma que são as pessoas, os trabalhadores; o oportunismo contrapõe aos trabalhadores os instrumentos de produção, que alegadamente se desenvolvem espontaneamente, estando por trás desse alegado desenvolvimento espontâneo a «elite» científico-técnica e de gestão, a qual, por sua vez, serve a classe dos capitalistas ou dos proprietários pseudo-capitalistas. Eis, como se costuma dizer, toda a história."(...)

Ler o texto integral aqui:
http://www.hist-socialismo.com/docs/Khabarova_Marxismo_%20derrotado.pdf

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Um testemunho histórico e corajoso - Lições para o presente e para o futuro (2).



Carta ao Comité Central do PCUS

Publica-se em seguida uma nova carta de Tatiana Khabarova, dirigida ao Comité Central,  datada de pouco mais de um ano após aquela que antes endereçou ao Sec.-Geral do PCUS e que aqui já se reproduziu (http://oassaltoaoceu.blogspot.pt/2015/05/um-testemunho-historico-e-corajoso.html), prosseguindo o seu corajoso combate ao criminoso oportunismo que tinha tomado de assalto o Partido de Lenine, pela mão da sua própria Direcção.
Os desvios políticos oportunistas nos Partidos Comunistas começam sempre pelas suas direcções, arrastando os colectivos partidários para "o pântano".  Até que novas e sãs energias revolucionárias os levem a retomarem o caminho interrompido - ou, em alternativa, que os partidos em causa acabem por soçobrar, afundando-se na amalgama histórica da luta de classes, desbaratando os esforços e os sacrifícios das vidas e gerações que as antecederam, desaparecendo sem honra e sem dignidade...

"Mikhail Gorbatchov assegura incessantemente por toda a parte que, alegadamente, não existem alternativas à «perestroika» (tal como ele a entende), e que ninguém conseguiu propor algo diferente. Para não usar uma expressão mais forte, direi apenas que tal não corresponde à realidade. Existe tanto uma análise alternativa da situação geral no país, como um «pacote» alternativo de propostas concretas. (E isto no mínimo, uma vez que falo apenas por mim própria, outros poderiam falar por si).
Essas propostas são:
– O restabelecimento das formas de manifestação e acção das relações monetário-mercantis, normais para o regime socialista, que respondem às suas leis objectivas profundas (a modificação socialista do valor, antes designada «sistema de preços de duas escalas»);
– O restabelecimento do princípio, adequado às leis objectivas do socialismo, da formação do rendimento da actividade produtiva proporcionalmente não aos fundos e recursos, mas ao trabalho vivo (isto é, a transferência do peso principal da formação do lucro destinado ao rendimento líquido centralizado do Estado para o preço, predominantemente, dos bens de consumo geral);
– O restabelecimento da política, igualmente adequada às leis económicas objectivas do socialismo, de redução consequente dos preços, tanto dos preços na produção (grossistas), como no consumo (a retalho), à medida do aumento planificado da produtividade do trabalho e da redução do custo da produção;
– A utilização da redução planificada dos preços grossistas como alavanca económica de pressão sobre o produtor para a racionalização da gestão económica, da economia de recursos, busca de soluções científicas-técnicas progressivas;
– A deslocação do centro de gravidade dos estímulos aos trabalhadores das formas grupais-egoístas para as formas de incentivos sociais pelo seu carácter, entre as quais, a mais importante constitui o sistemático e sensível «esmagamento» dos principais preços a retalho, acompanhado do aumento da quantidade e elevação da qualidade das mercadorias colocadas à venda;
– O estabelecimento do princípio rigoroso e inviolável de que só pode ser considerada como rendimento líquido centralizado do Estado uma receita entrada no erário público e passível de ser redistribuída ulteriormente, após a venda real da mercadoria ao consumidor;
– O estabelecimento de um indicador igualmente rigoroso de redução dos custos de produção dos bens intermédios [destinados ao processo produtivo], a montante das sucessivas fases da cadeia produtiva; indicador que reflicta uma verdade económica simples: a de que, mediante uma gestão racional, a nova produção deve necessariamente reduzir e não aumentar o peso dos custos do destinatário;
– O reforço, e não afrouxamento, das formas sociais de propriedade dos meios de produção e da organização do processo de produção, tanto na indústria como na agricultura.
O estudo isento da experiência histórica do nosso país mostra que, nas condições da propriedade socializada, a política de redução regular dos preços garante uma intensificação da produção no seu conjunto e constitui o análogo, pela profundidade e eficiência da sua acção, plenamente equivalente às forças de coerção económica, características dos sistemas de «mercado» contemporâneos. Deste modo, abrindo campo à tendência, natural ao socialismo, de abaixamento dos principais níveis de preços, poderíamos alcançar excelentes resultados no objectivo de repor a nossa produção social nos trilhos do desenvolvimento intensivo, sem recorrer à desnecessária e errónea na sua raiz «reanimação» na nossa economia das relações de propriedade privada, bem como às calamidades sociais a ela associadas, em primeiro lugar o desemprego.
Tudo isto se aplica plenamente à agricultura. Aqui o erro crucial não foi a colectivização, como hoje nos procuram convencer; o erro foi a deformação e a mutilação dos princípios cooperativos do regime kolkhoziano, entre a segunda metade dos anos 50 e meados dos anos 60. Trata-se, em primeiro lugar, da imposição irreflectida e generalizada da maquinaria aos kolkhozes, transformando-os economicamente num poço sem fundo, onde «se sumiram» centenas de milhares de milhões de rublos do erário público, sem qualquer retorno económico palpável, além de que se criou aqui uma indestrutível «ténia» de subvenções. Em segundo lugar, esse erro foi a violação, em 1965, do princípio da remuneração do trabalho na agricultura em função do resultado final real, tal como do correspondente princípio de formação dos preços dos produtos agrícolas. Foi precisamente depois dessas «inovações» desastradas (e não depois da colectivização, camarada Gorbatchov!) que se criou uma situação em que quanto mais dificuldades tivesse a exploração, mais recebia pela sua produção. E as pessoas começaram a exigir remunerações não segundo o resultado real do trabalho, mas pelo simples facto de se terem apresentado para trabalhar. Assim, quando se falar da «desruralização do campo», deve-se dizer que não foi a colectivização que «desruralizou» o campo, mas a «reforma económica» de 1965.
Mikhail Gorbatchov afirma hoje que a resolução do problema agrícola, alegadamente, «foi adiada, adiada» ao longo de quase 50 anos. Mas será que se pode declarar tal coisa quando ainda está em vigor o Programa de Alimentos (o qual até hoje ninguém revogou), a par de outras iniciativas de grande envergadura sobre questões agrícolas, aprovadas pelo Plenário do CC do PCUS de Março de 1965; quando foram feitos investimentos gigantescos na produção agrícola sob a direcção de Leonid Bréjnev; quando se lançou a exploração das terras virgens e inúmeras outras acções de Nikita Khruchov, visando um «crescimento acentuado» da agricultura?
Com toda a evidência, não se trata aqui do «adiamento» de resoluções, mas exclusivamente do facto de que, durante três décadas, se tentou resolver o problema a partir de pressupostos claramente errados e ineficazes. Quanto ao potencial económico da organização kolkhoziana, em geral, ele é bastante grande e não está de longe esgotado.
A eliminação das referidas deformações, a principal das quais é a «industrialização» artificial da remuneração do trabalho dos kolkhozianos, bem como a política de preços irracional (não tem outro nome), que permite viver melhor quem pior trabalha; a eliminação de todas estas deformações permitir-nos-ia, provavelmente, corrigir com relativa rapidez a situação na frente alimentar, sem recorrer à ajuda do recém-aparecido «agricultor socialista», ou seja, o kulaque criado à pressa (o qual dentro em breve, naturalmente, precisará de jornaleiros).
A este propósito gostaria ainda de colocar uma questão ao camarada Gorbatchov.
Muitas decisões, aparentemente boas e promissoras, em matéria agrícola foram tomadas quando já era um alto funcionário do partido, precisamente encarregado destes assuntos. O facto de todas essas decisões terem fracassado não se deverá à circunstância de a direcção superior do partido estar ocupada por pessoas que interiormente não acreditavam (e não acreditam) na vitalidade da exploração colectiva socialista da terra, esperando apenas «a hora» em que fosse possível atacar, com grande alarido, a «colectivização stalinista» e dedicarem-se a fundo à restauração da «kulaquização» do campo? Poderia uma pessoa que no seu íntimo considerava a exploração kulaque como a melhor estrutura organizativa do campo, aplicar de boa-fé a política de especialização e concentração da produção agrícola? E será que dirigentes deste tipo não são culpados de nada perante o povo e o partido? Apenas Stáline (que há mais de 35 anos não está no mundo dos vivos) é culpado de tudo? Que não havia nada de bom em nenhuma das resoluções, então adoptadas com os vossos sonoros aplausos (embora, seguramente, houvesse nelas algo de sensato; não eram uma estupidez completa). E se achavam que eram uma estupidez, porque as aprovaram?
Agora sucintamente sobre a «alternativa» na esfera política:
– Realização de uma reforma eleitoral não segundo o «princípio» chocante da substituição do direito ao sufrágio universal, igual e directo pelo direito ao sufrágio não universal, desigual e indirecto, mas, pelo contrário, através da remoção do nosso sistema eleitoral dos elementos ainda existentes de múltiplas etapas, de privilégios «corporativos» e outros tipos de desigualdade eleitoral;
– Desenvolvimento e aperfeiçoamento por todos os meios da democracia, e para isso, antes de mais, deve-se ter uma compreensão clara dos princípios do Estado soviético que constituem a sua «especificidade» objectiva e a sua vantagem histórica universal perante tipos anteriores de democracia, sobretudo perante a democracia parlamentar burguesa (o papel dirigente do partido proletário, nomeadamente na administração operacional da economia, a junção – e não «divisão»! – dos poderes legislativo e executivo);
– Aprofundamento nos seus diferentes aspectos e aplicação (isto é, a sua institucionalização) do programa apresentado pelo partido ainda no final dos anos 20 de desenvolvimento da crítica de massas a partir de baixo (iniciativa individual crítica criativa), como modo objectivamente inerente ao socialismo de resolução das contradições do desenvolvimento social, estabelecimento do controlo da sociedade civil, em todos os níveis e campos, sobre o funcionamento das estruturas do Estado, a superação da alienação do cidadão comum e do produtor «de base» em relação aos meios de produção socializados.

Precisamente um ano se passou desde que dirigi a Mikhail Gorbatchov o estudo teórico «O culpado será o «stalinismo»?», em que lhe fiz a seguinte sugestão: caso peçam a Gorbatchov que refira «pelo menos alguns nomes» daqueles que divergem categoricamente das suas ideias, então que refira o meu nome. Repito a minha sugestão; e ao mesmo tempo exprimo a minha profunda tristeza pelo facto de que toda a algazarra sobre a «transparência» e a «democracia» sirva para cobrir uma atitude tão rude e incivilizada para com o povo, para com o potencial intelectual das massas, para com a cidadania, para com o zelo dos cidadãos comuns soviéticos pelo Estado.
 
Gostaria de recordar aqui que as propostas atrás referidas estão contidas, numa forma bastante desenvolvida, por exemplo, na minha «Carta ao Secretário-Geral do CC doPCUS, L.I. Bréjnev e aos delegados do XXV Congresso do PCUS» (Fevereiro de 1976) e, em particular, no documento «Direcções Essenciais do Desenvolvimento Constitucional da URSS no período de transição para a segunda fase do Comunismo» (Setembro de 1977), enviado a propósito do debate em curso nesse momento sobre o projecto de Constituição da URSS. Neste último documento (escrito há 20 anos, recordo) afirmava-se em particular:
«Na base da inevitável reforma eleitoral que incumbe ao Estado soviético realizar jaz um princípio evidente, contra o qual não pode haver quaisquer objecções sensatas, uma vez que decorre naturalmente da lógica interna do poder popular socialista:
Todas as acções políticas decisivas na formação dos órgãos de poder
do Estado por via eleitoral devem constituir direitos individuais constitucio- nais dos cidadãos da URSS». (Manuscrito citado, p. 37)
Mais adiante enumerava-se: o direito de qualquer cidadão da URSS politicamente apto de apresentar a sua candidatura a deputado; o direito de rejeição de um candidato a deputado; o direito de requerer a revocação de um deputado; o direito de iniciativa legislativa.
O documento, «Direcções Essenciais do Desenvolvimento Constitucional da URSS no período de transição para a segunda fase do comunismo», terminava com as seguintes palavras: «Parece-me inútil explicar em concreto e demonstrar extensamente a natureza não conjuntural das considerações feitas neste trabalho; elas dizem respeito a questões que permanecem por resolver; e questões não resolvidas exigem que nos ocupemos delas. Publicar a quinta Constituição, “evitando” estas questões não resolvidas, em última a análise, significará que terá de ser escrita uma sexta Constituição que as resolverá». (p. 42)

Pois bem, já tivemos durante bastante tempo uma «cópia»: a «Constituição do Socialismo Desenvolvido», que vigora solenemente há 11 anos, e um código jurídico de muitos tomos, elaborado na sua base, o qual é hoje cinicamente declarado pelos seus próprios redactores como um «palavreado jurídico», onde quanto muito se poderão encontrar duas dezenas de leis «genuínas». (Cf. «Como deve ser o Estado de Direito?», Literaturnaia Gazeta, de 8 de Junho de 1988, p. 11).

Será que se confirma inteiramente o meu «prognóstico» sombrio, feito há 11 anos, de que, uma resolução efectiva dos nossos problemas jurídico-constitucionais, que corresponda às exigências actuais, só se alcançará depois uma sexta tentativa?
Apenas rejeito resolutamente o rótulo de «antiperestroika», sob o qual, por alguma razão, por vontade própria «se colocou» o bondoso Ivan Timofeievitch Chekhovtsov. Sou uma cidadã soviética honesta, profundamente patriótica, partidária do socialismo e uma marxista-leninista convicta; para tudo o que começa com a palavra «anti» devem, no presente caso, procurar outros destinatários; e eles são mais do que suficientes!
Veja-se o que escreveu a Literaturnaia Gazeta recentemente: «Agitação anti-soviética? Mas isso não é nenhum horror! Quem o desejar que o faça, nos locais previstos pela lei.» Ou seja, o Estado soviético deverá destinar locais «legais» para… a agitação e propaganda anti-soviética. Basta de «perestroika», camarada Gorbatchov, já não há mais nada a dizer.

Aliás, a julgar pelos acontecimentos das últimas dias e semanas, aqueles que sentem uma paixão irresistível pela propaganda anti-soviética e anti-socialista não estarão lá muito de acordo convosco quando lhes designardes um local «legal» para as suas iniciativas. Eles próprios definirão não só o lugar e a hora, mas também a dimensão de tudo isso.

Solicito que dê conhecimento dos presentes documentos aos membros do Comité Central do PCUS (e não só aos funcionários do aparelho). É preciso que o Comité Central compreenda a necessidade de pôr termo ao fomento de mais um culto da personalidade, na realidade o mais vergonhoso de todos os que existiram no nosso país. É preciso, finalmente, ouvir a voz das pessoas (e serão seguramente muitas) que consideram que em vez de «renunciar» ao socialismo na URSS, às suas conquistas e à sua história (sem a qual o país não tem futuro), é mais sensato dispensar Gorbatchov do cargo de secretário-geral. E quanto mais depressa melhor. Não será demasiado elevado o preço que nos é exigido para que o senhor Reagan ou a senhora Thatcher, em sinal de aprovação, passem a mão pela melena de alguém que escuta as suas opiniões como se fossem a mais importante orientação política?"
1 de Dezembro de 1988
 

(Tatiana Khabarova - Doutorada em Ciências Filosóficas)



 



 

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Reforma Agrária em Portugal - 40 Anos Depois

Há quatro décadas, na intervenção de encerramento da I Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, Álvaro Cunhal afirmou:
(...) «Os latifúndios têm sido e são a miséria, o atraso e a morte. A entrega da terra a quem a trabalha significa a própria vida, vida para os trabalhadores desempregados e seus filhos, vida para a agricultura abandonada, sabotada pelos grandes agrários e pelos grandes capitalistas». (...) «A liquidação dos latifúndios responde ao mesmo tempo à urgência de emprego para os trabalhadores e à urgência de aumentar a produção nacional. Os interesses dos trabalhadores são absolutamente coincidentes com os interesses nacionais».
 
No passado domingo, assinalando mais um aniversário do assassinato da operária agrícola Catarina Eufémia, morta brutalmente nos campos de Baleizão pelas balas fascistas, em Maio de 1954, quando à frente das suas companheiras de trabalho lutava contra o latifundiário explorador e as forças repressivas da GNR, o Secretário-Geral do PCP afirmou na sua intervenção de homenagem:
(...) "Há quem gostasse de ver arredado da nossa memória e da história do nosso povo, o registo desse património de luta, mas também esse corajoso e empolgante processo de transformação revolucionária da vida nos campos do Alentejo e Ribatejo que foi a Reforma Agrária. 
Uma história, onde a Reforma Agrária, está escrita com letras de ouro, pelo que significou de realização colectiva, de transformação, de avanço em direcção a um mundo em construção liberto de exploração.
A história dessa realização ímpar onde, pela primeira vez no nosso País, os trabalhadores decidiram tomar as terras do latifúndio e com elas nas suas próprias mãos o seu destino, concretizando um inovador programa de transformações económicas e de justiça social.
A história de um processo original de ocupação de terras e criação de Unidades Colectivas de Produção, realizado para responder a necessidades imediatas de defesa da economia e de defesa das próprias liberdades, quando a Revolução de Abril era confrontada com a sabotagem económica dos grandes agrários, com as fugas de gado e maquinaria, abandono de culturas, incêndios de olivais e searas e os trabalhadores viam o desemprego a aumentar e, tal como no passado fascista, a fome e a miséria instalar-se nas suas casas.
A história de um processo em que milhares de homens e mulheres, organizados nas suas Unidades Colectivas, passaram a trabalhar mais de um milhão de hectares de terra, a desbravar matagais e terras incultas, a organizar e dirigir a produção agrícola, diversificando o processo de produção e, com isso, pondo fim ao desemprego e conquistando melhorias radicais nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e das populações.
Num tempo em que a reacção tudo fazia para o regresso ao passado fascista, a Reforma Agrária deu um contributo determinante para a defesa e consolidação da democracia conquistada em Abril para responder às necessidades do País.
Ao contrário do que propalavam os propagandistas da contra-revolução, a Reforma Agrária não foi importada de lado nenhum, nasceu do esforço e da imaginação criadora dos trabalhadores organizados nas suas mais de 500 UCP/Cooperativas – elas próprias uma solução original, enquanto estruturas produtivas de tipo novo, nascidas dessa mesma criatividade.
A Reforma Agrária foi, desde o início, alvo de ataques os mais diversos e de uma desenvergonhada campanha de mentiras e calúnias, deformando e caricaturando o seu verdadeiro significado, objectivo e resultados alcançados.
Em relação aos resultados alcançados o seu êxito é inquestionável.
Bastaria comparar o antes com o depois da Reforma Agrária. Todos os indicadores revelam a superioridade da Reforma Agrária em todos os domínios.
 
Na área semeada, antes era 94 000 hectares, com a Reforma Agrária quase quadruplicou – 395 000 hectares. Área de regadio antes eram 9 300 hectares, com a Reforma Agrária chegámos a ter 23 700 hectares de terra regada. A produção de arroz antes correspondia a 23 500 toneladas com a Reforma Agrária a produção duplicou,- chegou a atingir 48 000 toneladas. A produção de tomate seguiu o mesmo caminho passou de 73 000 toneladas para 180 000. No que diz respeito, por exemplo, a efectivos animais passou-se de 81 000 cabeças normais para 190 000 e a tractores passou-se de 2 690 para 4560.
Com a Reforma Agrária os postos de trabalho saltaram de 21 700 entre trabalhadores efectivos e eventuais, para 71 900!
Este foi um dos raros períodos da história do último meio século no Alentejo em que a região não conheceu o flagelo do desemprego, não perdeu população e viu muitos dos seus filhos regressar à terra!
Também ao nível do investimento e considerando os anos entre 1976 e 1989 a diferença é significativa e revela a elevada capacidade de realização da Reforma Agrária: 1560 construções e reparações em captações de água e 322 barragens e albufeiras; preparação e beneficiação de 300 000 hectares de terra; 1918 instalações para gados, entre muitos outros investimentos!
As UCP’s/Cooperativas tomaram medidas que conduziram a uma notável melhoria das condições de vida dos trabalhadores; estabeleceram salários fixos, diminuíram a diferença entre os salários dos homens e das mulheres, criaram creches, jardins-de-infância, centros de dia, postos médicos!
 
Tudo isto debaixo do fogo de uma violenta ofensiva das forças reaccionárias, incluindo as que se encontravam no próprio aparelho estatal, que agiam no desprezo e na infracção da legislação que entretanto fora promulgada.
Uma ofensiva iniciada em 1976 pelo Governo do PS/Mário Soares e prosseguida por todos os governos que se seguiram: PS/CDS; PPD/CDS; PS/PPD e PPD sozinho.
Uma ofensiva que teve na famigerada «Lei Barreto», o ponto de partida da ofensiva no plano legislativo e na operação de adesão de Portugal à CEE/UE um instrumento fundamental de destruição desta e de outras importantes conquistas de Abril.
Uma ofensiva que durou 14 anos que pôs o Alentejo a ferro e fogo, numa ostentação e intervenção brutal de forças e de repressão que espalharam o terror por todo o lado!(*)
A Reforma Agrária acabou por ser destruída e o latifúndio restaurado, trazendo novamente ao Alentejo as terras abandonadas, a desertificação e o desemprego, enquanto umas poucas centenas de grandes agrários recebem milhões de euros sem que lhes seja exigida a produção seja do que for. Acabou por ser destruída, mas não pôs fim à necessidade e actualidade de, nas actuais circunstâncias, se concretizar uma Reforma Agrária.
Uma Reforma Agrária que, cumprindo a Constituição da República Portuguesa, liquide a propriedade fundiária e o absentismo!" (...)
 
(*) Repressão que, em 1979, voltou a praticar o assassinato, com as mortes até hoje impunes de Caravela e Casquinha, dois camaradas militantes do PCP que, como Catarina, lutavam frente à GNR contra a devolução das terras ao latifundiário,  durante o governo de uma "independente" (Maria de Lurdes Pintassilgo).
 
Não esquecemos. 
Não deixaremos nunca que apaguem da história esta etapa heroica da luta do proletariado agrícola português, pela realização dessa sua inapagável consigna revolucionária:  "A TERRA A QUEM A TRABALHA!"