SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

domingo, 29 de março de 2015

Em 29 de Março de 1917 nasce Alfredo Diniz (Alex)


Figura fascinante na galeria gloriosa dos heróis quadros do PCP, Alfredo Dinis, que na clandestinidade usou o pseudónimo de Alex, nasceu em Lisboa em 29 de Março de 1917 e tinha 28 anos quando a PIDE o assassinou.
Pela sua entrega militante, pela sua inteira fidelidade à causa da (sua) classe operária, pela sua lucidez e brilhantes capacidades de organizador, pela sua coragem e combatividade de autêntico revolucionário, Alex continuará uma referência luminosa para todos os comunistas.


Broxura - Alfredo Dinis - Alex screenshot

(Capa da Brochura das Edições Avante!, 2010)  


 «Escondidos atrás da furgoneta os homens esperavam silenciosamente, como numa caçada. Em breve o viram aparecer. Aproveitava a descida para dar velocidade à bicicleta, naquele seu jeito destemido e moço de saborear a rapidez da corrida, o vento nos cabelos, a alegria de viver.
Um dos homens saltou detrás da furgoneta e com um encontrão fê-lo cair na beira da estrada. Quando se levantou, dum salto, estava cercado. Um tiro deitou-o por terra.
De longe, um camponês presenciara a emboscada em que José Gonçalves acompanhado de Fernando Gouveia e mais um bando de agentes da P.I.D.E., assassinaram cobardemente o comunista Alfredo Dinis.
Por que é que nesse dia 4 de Julho de 1945, na solitária estrada de Bucelas, a P.I.D.E matou esse homem?» (1)
Ao fazer esta interrogação, descrevendo no seu livro «A Resistência em Portugal» esse crime do fascismo, o escultor comunista José Dias Coelho, então na clandestinidade e também ele mais tarde assassinado pela PIDE, apresenta traços da biografia política de Alfredo Dinis.
Alfredo Dinis, que na clandestinidade usou o pseudónimo de Alex, nasceu em Lisboa em 29 de Março de 1917 e tinha 28 anos quando a PIDE o assassinou. Operário metalúrgico da Parry & Son, trabalhava de dia e à noite estudava numa escola industrial.
Aos 19 anos entrou para as Juventudes Comunistas, tendo igualmente pertencido ao Socorro Vermelho Internacional. Preso em Agosto de 1938 pela polícia fascista foi condenado a 18 meses de prisão. Quando saiu da prisão retomou a sua actividade revolucionária. Na qualidade de secretário da célula do PCP na Parry & Son passou a fazer parte do Comité Local de Almada. Em 1943 entrou para o Comité Local de Almada. Também em 1943 entrou para o Comité Regional de Lisboa e pouco depois foi eleito para o Comité Central no III Congresso (I ilegal) do Partido, realizado nesse mesmo ano, passando a fazer parte do então existente Bureau Político.
Alfredo Dinis desenvolveu uma intensa actividade, participou na organização das lutas de 1942 na região de Lisboa e mais tarde na organização e direcção das grandes vagas de greves de 1943 e 1944 na região de Lisboa, Margem Sul e Ribatejo, assim como nas grandiosas manifestações da vitória sobre o nazi-fascismo de Maio de 1945.
Álvaro Cunhal, na sua conhecida obra «Rumo à Vitória», ao sublinhar o papel da organização, particularmente da organização partidária dentro das empresas e da organização das lutas reivindicativas económicas e políticas, chama a atenção para as características que deve ter um quadro comunista a trabalhar no seio dos trabalhadores e para a importância da sua ligação à classe operária e apresenta o exemplo de Alfredo Dinis:
- «As greves não se decretam, mas decidem-se e declaram-se» – escreve Álvaro Cunhal. «Para o fazer com êxito é necessário conhecer de perto a disposição das massas, conhecer a evolução da luta e escolher o momento justo. A percepção revolucionária e a audácia dos militantes representam um importante papel. Vinte anos atrás, o êxito de algumas importantes greves dirigidas pelo Partido deveu-se em grande parte à acção de um militante destacado: Alfredo Dinis, operário da Parry & Son, assassinado pela PIDE em 1945. Alfredo Dinis conhecia profundamente os problemas da classe operária, conhecia a classe, acompanhava dia a dia as lutas dos sectores que lhes estavam confiados, era um óptimo organizador das lutas reivindicativas e mais de uma vez foi ele a dizer audaciosamente à direcção do Partido: «O momento para a greve é agora!». E acertava. As organizações operárias do Partido devem trabalhar como trabalhava Alfredo Dinis – sublinha Álvaro Cunhal, acrescentando: «Tal como ele, ao organizarem as pequenas lutas reivindicativas, devem olhar sempre audaciosamente em frente, procurando incansavelmente alargar as lutas, unificá-las, fundi-las, conduzi-las a etapas superiores encontrando em cada fase as formas eficientes de organização.» (2)
Passaram mais de 40 anos sobre estas palavras de Álvaro Cunhal. Presentemente desenvolvemos a nossa luta em condições muito diferentes das de então, mas elas continuam a ser tão válidas hoje como o foram ontem. Como válida continua a ser ainda hoje a herança revolucionária que nos legou Alex com o seu exemplo de militante comunista estreitamente ligado à vida e à luta da classe operária e cujo 60.º aniversário do seu assassinato O Militante assinala neste número.

(1) A Resistência em Portugal, José Dias Coelho, Inova, págs. 59, 60.
(2) Rumo à Vitória, Álvaro Cunhal, Edições «Avante!», 2.ª edição, págs. 248, 249.

 
 
Maria da Piedade Morgadinho, in «O Militante» - N.º 277Julho/ Agosto 2005
 
 

 

quinta-feira, 26 de março de 2015

Um Herói Revolucionário


Um homem feliz na luta
Nascido a 25 de Março de 1915, em Vila Franca de Xira, António Dias Lourenço foi um destacado militante e dirigente comunista durante quase 80 anos, nos quais deu provas de uma inquebrantável dedicação aos trabalhadores, ao povo e à luta do seu Partido. A opção, que ainda jovem tomou, de se tornar funcionário do Partido Comunista Português pagou-a com brutais torturas e 17 longos anos de prisão. Tal não o impediu, na última entrevista concedida ao Avante!, de se confessar um homem feliz, sobretudo por ver tanta gente nova a prosseguir o combate a que dedicou a sua vida.

Operário, jornalista, dirigente político, prisioneiro, escritor, deputado. António Dias Lourenço foi tudo isto e muito mais ao longo da sua intensa vida (e longa de 95 anos), que desde muito cedo se confunde com a luta dos trabalhadores e do povo contra o fascismo e a exploração, pela liberdade, a democracia e o socialismo. Uma luta a que dedicaria o melhor das suas capacidades e a sua imensa energia.
Praticamente até ao último dia da sua vida (faleceu em Agosto de 2010) foi presença quase diária na sede nacional do Partido e na redacção do Avante!, onde conservava uma mesa de trabalho com um aparelho que lhe permitia ler, apesar das graves limitações de visão que o acompanharam nos últimos anos. Eram raras as iniciativas do Partido ou as acções de luta unitárias, em Lisboa, nas quais não comparecia, pese embora as visíveis dificuldades em andar que se agravavam com o passar do tempo. Esta energia, esta força imensa com que teimava em contrariar as adversidades da vida e as vicissitudes da idade eram precisamente das características mais salientes da fascinante personalidade de António Dias Lourenço.
Como muitos vilafranquenses da sua geração – os «homens que nunca foram meninos» de que falava Soeiro Pereira Gomes –, Dias Lourenço começou a trabalhar com apenas 13 anos, pouco mais era do que uma criança: durante quase uma década e meia foi torneiro-frezador nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e na Soda Póvoa. O ambiente das fábricas e das colectividades, onde desenvolveu uma intensa actividade cultural, levam-no à luta dos trabalhadores e ao Partido Comunista Português, do qual se torna militante em 1931. Três anos depois, participa activamente na jornada de 18 de Janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos.
Na sua primeira década de militância comunista, e ao mesmo tempo que colaborava em jornais como O Diabo, o Sol Nascente, o Mensageiro do Ribatejo e o República, assumiu um papel destacado no desenvolvimento da organização partidária. Integrou o Comité Local de Vila Franca de Xira e o Comité Regional do Ribatejo, do qual chegou a ser responsável. O nome de António Dias Lourenço fica também ligado aos célebres «passeios no Tejo» que, no início da década de 40, envolveram destacadas figuras das artes e das letras e impulsionaram o movimento neo-realista.
Revolucionário profissional
Envolvendo-se intensamente no processo de reorganização do Partido, iniciado no final de 1940 por destacados militantes comunistas e no qual Álvaro Cunhal desempenharia um papel de primordial importância, António Dias Lourenço passou à clandestinidade como funcionário do PCP em 1942. A ligação às tipografias clandestinas e ao aparelho central de distribuição da imprensa foi uma das suas primeiras responsabilidades. Retomada a publicação regular do Avante! em Agosto de 1941, havia que consolidar e melhorar o aparelho técnico do Partido e todo o trabalho conspirativo que isso envolvia.
Numa entrevista ao Avante!, concedida em 2001, Dias Lourenço adiantou os traços gerais desta tarefa tão exigente quanto vital: «Tínhamos de criar um aparelho de difusão do Avante!, cada vez mais seguro. Enquanto a orgânica do Partido assentava em organismos colectivos (clandestinos, com elementos que às vezes nem sabiam o nome uns dos outros), a orgânica para a distribuição da imprensa clandestina tinha de ser rigorosamente individual. Tu levas o embrulho para a organização tal, entregas a responsáveis directos que distribuíam a outras pessoas para levar para outros sítios.»
Nestes primeiros anos de vida clandestina, assumiu tarefas no Ribatejo, em Lisboa, na Margem Sul, no Alentejo, no Algarve e em zonas da Beira Interior, onde se travavam lutas em diversos sectores profissionais e das populações contra o racionamento e a carência de géneros. Em tempos em que a bicicleta era o meio de transporte «oficial» dos funcionários do Partido, esta era uma actividade intensa e desgastante: «A gente conhecia Portugal com a geografia das botas», confessou ao Avante! na mesma entrevista.
Depois de, em 1943, no III Congresso do Partido, ter sido eleito para o Comité Central, onde permaneceu durante 53 anos, António Dias Lourenço integra o Comité Dirigente das greves de 8 e 9 de Maio, que se reunia na casa clandestina em que vivia, em Barcarena. Estas lutas, como as travadas nos anos anteriores e as manifestações da vitória, em Maio de 1945, potenciaram o alargamento da unidade antifascista pela qual o PCP há muito se batia: surge o Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), que agrega todos os partidos e tendências da oposição. Dias Lourenço foi representante do PCP no Conselho Nacional deste movimento.
Na sequência do assassinato pela PVDE/PIDE de Alfredo Dinis (Alex), em 1945, António Dias Lourenço – João, na clandestinidade – passou a assumir a responsabilidade pela região de Lisboa, que mantém até 1948. No ano anterior, teve uma participação activa na grandes greves dos operários da construção naval. A tarefa seguinte foi o Alentejo, onde acompanhou e dirigiu as lutas dos operários agrícolas contra o desemprego e a miséria e pela construção da sua unidade nas praças de jorna. Era aqui que intevinha quando foi preso pela primeira vez, em 1949, ano em que dirigiu o jornal O Camponês.
Voltar à luta, sempre
Retomada a liberdade em 1954, após uma audaciosa fuga da fortaleza de Peniche (ver caixa), António Dias Lourenço retomou imediatamente a sua actividade revolucionária clandestina. Dois anos depois, num momento particularmente difícil para o Partido privado - do seu mais destacado dirigente Álvaro Cunhal (preso desde 1949), e fustigado por sucessivos golpes policiais - foi chamado à Comissão Política. No ano seguinte, na sequência do V Congresso do Partido, passou a integrar também o Secretariado, onde ficou até ser novamente preso, em 1962.
Neste período, em que assumiu entre 1957 e a sua segunda prisão a responsabilidade pelo Avante!, a sua actividade revolucionária está ligada ao ascenso da luta de massas que se faz sentir nos anos 1957/58 e, novamente (após um período de refluxo provocado pela repressão e pelo desvio de direita no Partido), em 1961/62. A sua participação na organização, a partir do exterior, da Fuga de Peniche de Janeiro de 1960 (que devolveu à luta Álvaro Cunhal e outros nove destacados quadros do Partido) e no apoio à saída clandestina do País de Agostinho Neto, para que pudesse dirigir a luta anticolonialista do povo de Angola, foram algumas das importantes tarefas que envolveram António Dias Lourenço.
A sua segunda prisão, realizada pouco depois do grande 1.º de Maio de 1962 e da conquista da jornada de oito horas nos campos, durou até ao 25 de Abril de 1974, quando os portões das masmorras se abriram do lado de fora.
 Revolução e contra-revolução
A energia e tenacidade que caracterizaram a acção revolucionária de António Dias Lourenço durante o longo e duro combate contra o fascismo marcaram igualmente a sua vida militante durante e após a Revolução de Abril.
Libertado do Hospital-Prisão de Caxias, na manhã de 26 de Abril de 1974, passou de imediato a integrar o trabalho de direcção do Partido, como membro do Comité Central. Quatro dias depois, estava no aeroporto de Lisboa a receber o Secretário-geral do Partido, Álvaro Cunhal, ao mesmo tempo que participava activamente na Comissão Unitária que preparou o grandioso 1.º de Maio que encheu as ruas do País e confirmou a real influência do PCP e do movimento sindical e popular.
O primeiro Avante! legal, que saiu a 17 de Maio de 1974 e atingiu uma tiragem de meio milhão de exemplares, teve a sua direcção. Durante os 17 anos em que foi director do órgão central do Partido, Dias Lourenço foi um destacado obreiro do Avante! legal (para o qual escreveu centenas de artigos e editoriais), instrumento essencial para a luta dos comunistas pelo aprofundamento da Revolução e em defesa das suas mais avançadas conquistas. Nesta qualidade, manteve numerosos contactos com outros jornais comunistas, aos quais concedeu entrevistas e depoimentos sobre a Revolução portuguesa, a sua natureza e objectivos. Logo em Outubro de 1974, representou o Avante! na Conferência da Imprensa Comunista, promovida em Praga pela Revista Internacional.
A sua intervenção no 11 de Março de 1975, junto ao Ralis sob fogo, é bem demonstrativa do carácter e da coragem de António Dias Lourenço.
Após o VIII Congresso do PCP, realizado em 1976, passou a integrar a Comissão Política do Comité Central, na qual permaneceu até 1988. Em sucessivos actos eleitorais realizados entre 1976 e 1985 (Assembleia Constituinte e Assembleia da República) seria eleito deputado pelos círculos de Coimbra e Santarém, marcando, com muitos outros camaradas, uma intervenção institucional profundamente ligada aos problemas e às lutas dos trabalhadores e das populações, que passaria a caracterizar a acção dos deputados do PCP. Até hoje.
Até ao fim dos seus dias, manteve uma participação regular na actividade do Partido e uma presença próxima junto dos militantes comunistas, particularmente dos mais jovens. Em 2005, por ocasião dos seus 90 anos, deu uma entrevista ao Avante! na qual se considerava feliz, sobretudo por ver «toda essa gente nova que vem ao Partido, para pegar na bandeira e andar para a frente».
 As prisões, as torturas, a morte do filho
A prisão e a tortura eram uma possibilidade real na vida dos funcionários clandestinos do Partido, todos o sabiam. O confronto com a polícia, desigual, era uma «prova de fogo» dos revolucionários. António Dias Lourenço, como muitos outros, passou-a com distinção: espancamentos prolongados, tortura do sono, pressão psicológica com os filhos, tudo lhe fizeram. Mas nada o fez ceder! Não falou. Nunca traiu. Em tribunal, acusou o fascismo e defendeu o projecto do Partido, a sua luta e os seus objectivos.
A morte do seu filho António, ainda criança, foi a maior das mágoas da sua vida. O facto de estar preso e de não lhe permitirem comparecer no funeral foi uma forma particularmente vil de procurar quebrar a sua firmeza. Uma vez mais, falharam. A prisão da sua filha Ivone foi igualmente causa de sofrimento. Mas também de orgulho, pela mulher e pela comunista que se tornara.
A forma como encarou as violências, as arbitrariedades e a dor, física e psicológica, resumiu-a na entrevista que deu ao Avante! em 2005: «Eu já sabia que eles gostavam de ver a cara dos presos sob a tortura. E resolvi construir para a minha cara um ligeiro sorriso constante. (…) A mim não me hão-de ver a cara torturada.»
Fuga audaciosa
Ao longo dos 17 anos em que esteve preso (em dois períodos), António Dias Lourenço pensou sempre em evadir-se, para continuar em liberdade a urgente luta contra o fascismo. Em Dezembro de 1954, quando se encontrava encarcerado há já cinco anos, protagonizou uma das mais audaciosas fugas da história da resistência antifascista portuguesa, ao lançar-se para o mar de Peniche após escapar do «Segredo».
Para esta fuga, Dias Lourenço mobilizou toda a sua coragem e criatividade: conseguiu introduzir no «Segredo» uma faca de sapateiro, contornando a constante vigilância; rasgou, pouco a pouco, o postigo na porta da cela; cortou cobertores às tiras para fazer uma corda; e atirou-se ao mar. Os imprevistos que surgiram, que podiam ter sido fatais, foram superados: a corda era curta demais, pelo que teve de se lançar ao mar de uma altura muito maior do que a que tinha imaginado; a maré, ao contrário do que julgava, estava a vazar, arrastando-o no sentido oposto à praia. Quando chegou a terra, hora e meia depois, estava exausto e próximo da hipotermia. Os trabalhadores de uma carrinha de peixe a quem pediu auxílio, arriscando dizer quem era, garantiram o êxito da fuga.
Na segunda prisão, de 12 anos, António Dias Lourenço arquitectou diversos planos de fuga. Aliás, disse uma vez, com humor, o 25 de Abril «lixou-me a fuga»: para escapar do Hospital-Prisão de Caxias pretendia disfarçar-se de mulher e sair pela porta da frente no final do horário das visitas. Já tinha em seu poder, aliás, duas perucas (uma loira e uma morena), que o actor Rogério Paulo conseguira fazer entrar na cadeia.
Era assim António Dias Lourenço…
 Publicado in "Avante!", edição nº 2156, de 26/3/2015

quinta-feira, 5 de março de 2015

Um monstro criado pelos «amigos e aliados» dos EUA - a mando destes.


 
O pântano

O General Wesley Clark tornou-se famoso como comandante supremo da NATO na sua guerra contra a Jugoslávia. Reavivou a fama em 2007, quando em entrevista ao programa Democracy Now da Rádio Pública Nacional dos EUA (2.3.07) revelou que, poucos dias após os atentados de 11 de Setembro, já estava tomada a decisão de que «iríamos limpar sete países em cinco anos, começando pelo Iraque, depois a Síria, o Líbano, a Líbia, a Somália, o Sudão e para terminar o Irão». Agora, Clark informa-nos sobre as origens do famigerado bando de assassinos que dá pela sigla ISIS. Disse Clark à CNN (18.2.15): «o ISIS foi criado através do financiamento dos nossos amigos e aliados, porque como as pessoas da região lhe dirão, 'se queremos alguém que combata até à morte contra o Hezbolá, não se afixam avisos de recrutamento a dizer para se juntarem a nós, a fim de construir um mundo melhor'. Procuram-se os fanáticos e arregimentam-se os fundamentalistas religiosos – é assim que se combate o Hezbolá. É uma espécie de Frankenstein». Quando ouvirmos falar dos crimes e atrocidades do ISIS, lembremo-nos que nas palavras do general norte-americano estamos perante um monstro criado pelos «amigos e aliados» dos EUA.
Clark não esclarece quem são os «amigos e aliados» em questão. O vice-presidente dos EUA Joe Biden, ao discursar perante estudantes da Universidade de Harvard (em 4.10.14) já falara publicamente nos governos turco, saudita e dos Emirados Árabes Unidos. Mas convém lembrar o maior «amigo e aliado» dos EUA na região, Israel, cujo ódio ao Hezbolá é fácil de imaginar. O Estado sionista (que se considerava invencível) já foi por duas vezes derrotado pela organização da resistência libanesa: em 2000, quando foi obrigado a pôr fim à sua ocupação do Sul do Líbano que datava de 1978; e de novo em 2006, quando Israel lançou nova criminosa guerra de ocupação contra o seu vizinho do Norte. Já o New York Times titulou que «Interesses convergentes podem levar à cooperação entre Israel e os estados do Golfo» (31.3.14), acrescentando que a colaboração poderia passar pela «cooperação de israelitas e sauditas no treino dos combatentes da oposição síria». O jornal israelita Haaretz informa (7.12.14) que «relatórios dos observadores da ONU no[s Montes] Golã, entregues aos 15 membros do Conselho de Segurança, pormenorizam os contactos regulares de oficiais da IDF [Forças Armadas israelitas] e figuras da oposição síria armada, junto à fronteira». E o canal televisivo de notícias israelita, i24news, acrescenta (7.12.14) que em resposta a denúncias de que as forças armadas de Israel prestam socorro médico a todos os grupos armados da oposição síria «incluindo a Frente al-Nusra e Daesh [como o ISIS é conhecido no Médio Oriente]», o gabinete de imprensa militar israelita confirmou: «nos últimos dois anos, as IDF têm prestado auxílio humanitário e salvado vidas a sírios feridos, independentemente da sua identidade». Para quem chacinou centenas de crianças em Gaza, é comovente este 'humanismo'.
Mas Clark e Biden são falsos ingénuos. O problema não são apenas os «amigos e aliados». Já em 20.9.14, o New York Times titulava: «No Iraque há profundas suspeitas de que a CIA e o Estado Islâmico estão unidos». E segundo a agência noticiosa iraniana FNA (23.2.15), «o exército iraquiano derrubou dois aviões britânicos que transportavam armas para o ISIS», informação confirmada pela Comissão de Segurança Nacional e Defesa do Parlamento iraquiano. O presidente da comissão disse que «o governo de Bagdade recebe relatórios diários de pessoas e forças de segurança na província de al-Anbar, sobre numerosos voos de aviões da coligação chefiada pelos EUA que lançam armas e mantimentos nas zonas sob controlo dos terroristas do ISIL». O pântano criado pelas ambições hegemónicas do imperialismo está para além de qualquer imaginação doentia. Falta saber quem nele se irá afundar.
 
Jorge Cadima
 
In "Avante!", edição de 5/3/2015

 
       
             
     
 

domingo, 1 de março de 2015

Não te rendas - Nunca!


Não te rendas, ainda é tempo
De se ter objetivos e começar de novo,
Aceitar tuas sombras,
Enterrar teus medos
Soltar o lastro,
Retomar o vôo.
Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem,
Perseguir teus sonhos,
Destravar o tempo,
Correr os escombros
E destapar o céu.
Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio queime,
Ainda que o medo morda,
Ainda que o sol se esconda,
E o vento se cale,
Ainda existe fogo na tua alma.
Ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque a vida é tua e teu também o desejo
Porque o tens querido e porque eu te quero
Porque existe o vinho e o amor, é certo.
Porque não existem feridas que o tempo não cure.
Abrir as portas,
Tirar as trancas,
Abandonar as muralhas que te protegeram,
Viver a vida e aceitar o desafio,
Recuperar o sorriso,
Ensaiar um canto,
Baixar a guarda e estender as mãos
Abrir as asas
E tentar de novo
Celebrar a vida e se apossar dos céus.
Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio te queime,
Ainda que o medo te morda,
Ainda que o sol ponha e se cale o vento,
Ainda existe fogo na tua alma,
Ainda existe vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um novo começo,
Porque esta é a hora e o melhor momento
Porque não estás sozinho, porque eu te amo
 
(Mario Benedetti)